Skip to content

A pirataria na web está com os dias contados? Se depender do streaming, sim!

Vamos voltar uns sete anos no tempo. Você se via pagando para assistir filmes ou para ouvir música na internet? Muito provavelmente não. É bem possível que você arriscasse seu computador em links suspeitos e torrents para conseguir ver o novo episódio da sua série favorita. Voltemos a 2019. Pagar por serviços como o Netflix ou o Spotify é algo completamente comum, como já apontamos nesta matéria. Inclusive, o que não falta são opções para assistir filmes e séries na internet. E ainda há a promessa da chegada da Disney e da Apple nesta briga pela sua assinatura.

Afinal, você consegue imaginar qual foi a última vez que você fez um download de um filme? Será que este novo hábito e a variedade de opções está fazendo a pirataria acabar? Entrevistamos quatro especialistas em propriedade intelectual para analisar se está mais difícil conseguir conteúdo pirata, como o mercado de streamings afetou a pirataria e se a variedade de serviços pode fazer com que os downloads ilegais cresçam novamente.

MBA em Gestão de TI e Transformação Digital

Quer conhecer um curso que vai te ensinar a agregar valor ao negócio sob a perspectiva da TI? A visão 360º que o MBA em Gestão de TI e Transformação Digital proporciona, traz uma profunda especialização utilizando como base frameworks de mercado, incluindo Canvas, VRIO e Customer Journey. Quer conhecer mais? Veja aqui!

Agora, confira as entrevistas!

Está mais difícil conseguir conteúdo pirata na internet hoje em dia?

Andressa Nunes Soilo (Doutoranda e Mestre em Antropologia Social pela UFRGS) - Eu acho que não está mais difícil, eu acho que o consumidor de conteúdo de entretenimento que está mais exigente. Ele já não quer mais ficar sujeito a vírus, demorar para fazer um download, ele quer as coisas mais rápidas. Acho que a pirataria continua lá, o que mudou mesmo foi o contexto das novas formas de acesso, como o streaming. Isso mudou um pouco o comportamento do consumidor, que quer algo na hora, um conforto maior, ele não quer mais correr os riscos da pirataria.

A pirataria está popularizada na internet desde o começo dos anos 2000 e ela foi se regenerando, às vezes se reproduzindo, principalmente após a queda do Napster, que gerou uma grande fúria entre os consumidores deste site e que começaram a criar seus próprios programas para mostrar para a indústria que era algo que bastava fechar e estava resolvido. A pirataria é ubíqua, o que está diferenciando mais é a qualidade, a quantidade nem é tanto o problema, mas a qualidade do acesso à pirataria. Essa sim é a questão.

Eduardo Ribeiro (Ex-presidente da Comissão Especial de Combate à Pirataria na OAB-SP) - Não posso afirmar se está mais fácil ou difícil. O que posso afirmar é que no Brasil existem meios e caminhos legais para identificar e obstar tal prática. O responsável pode vir a ser punido.

Luiz Augusto Filizzola D'Urso (Presidente da Comissão Nacional de Estudos dos Cibercrimes na ABRACRIM) - O controle do conteúdo pirata na internet é cada vez maior. A Polícia Federal realiza um importante trabalho de combate aos sites que oferecem um conteúdo exclusivo de pirataria. A identificação e punição dos autores desses sites traz um reflexo direto na diminuição da pirataria pela internet, até porque, a sensação de impunidade nos crimes cometidos de forma on-line tem diminuído muito.

A facilidade de acesso lícito aos filmes (serviços de streaming e filmes on demand) também tem ajudado nesse combate, uma vez que o conteúdo pirata, além de ilegal, traz um perigo à segurança da máquina do usuário que realiza este tipo de download.

Portanto, atualmente, além de ser mais difícil localizar conteúdo pirata na internet, é arriscado baixa-lo, pois o individuo se sujeitará a eventual responsabilização criminal, além do risco de infecções e invasões de sua máquina.

Mateus Basso – Responsável pelo Departamento Jurídico da Associação Brasileira de Produção de Obras Audiovisuais (APRO) - No meio digital, há uma aparente dificuldade. Se antes a troca de arquivos piratas acontecia de maneira mais livre, inclusive em grupos de redes sociais, ou por meio de sites que disponibilizavam fontes de torrents para compartilhamento P2P, hoje o acesso a tais conteúdos ganhou novas formas de acesso, que demandam mais inteligência do usuário que busca estes conteúdos piratas.

Caso façamos comparações com o cenário de dez anos atrás, sim, podemos afirmar que o acesso a conteúdos piratas hoje é menos evidente. Mas não podemos afirmar que ele é inexistente, ou mesmo irrelevante. Ainda hoje, há um tráfego enorme de conteúdos que violam os direitos autorais de seus titulares. A coqueluche do momento, para conteúdos audiovisuais, são as IPTVs, de difícil solução porque baseiam seus bancos de dados em territórios estrangeiros que não têm qualquer regulação sobre o tema, ou porque têm alta rotatividade da origem de seus arquivos digitais, tornando trabalhoso o rastreamento do possível IP responsável pelo fornecimento de tais conteúdos.

Por fim, é válido lembrarmos que conteúdos subidos à rede por BitTorrents ainda ocupam o primeiro lugar na Europa e na Ásia. Ou seja, o tráfego de arquivos “piratas” ainda é imenso mundo afora, o que evidencia uma condição da natureza humana de busca e acesso ao conhecimento, à cultura, ao entretenimento – que muitas vezes é maior que o senso de responsabilidade e justiça com os titulares de direitos autorais de tais obras intelectuais.

Qual foi o impacto da popularização de serviços de streamings contra a pirataria?

Andressa Nunes Soilo - O impacto inicial foi muito positivo, as pessoas finalmente foram atendidas. O que elas queriam era um entretenimento acessível, de qualidade, barato e que atendesse as demandas delas. Antes tinha a TV a cabo, que era e continua sendo caro, nem todo mundo tem acesso, as pessoas não tinham muita flexibilidade em questão de entretenimento, não conseguiam ver o que elas queriam no tempo delas, tinha de ser no tempo das emissoras, não conseguiam pausar, gravar era difícil. O streaming trouxe todas as qualidades que fizeram as pessoas procurar pela pirataria no começo da década de 2000, elas já não estavam mais suportando as imposições da indústria do entretenimento. O Spotify e a Netflix trouxeram mais que a compra da música e do filme, eles trouxeram o acesso ao que você quiser, ainda que limitado.

Hoje em dia, a questão é o acesso e a qualidade dos serviços. O impacto que isso teve, a leitura que a indústria teve de trazer o baixo custo, às vezes oferecer a gratuidade como é feito no Spotify e no Deezer foram bastante positivas no sentido de localizar o consumidor na esfera legal. Isso não quer dizer que a pirataria acabou, de forma nenhuma. Em muitos países dizem que o catálogo do Netflix é limitado, que o catálogo dos Estados Unidos é melhor e esses consumidores não entendem o porquê, se sentem preteridas e há um senso de justiça neles em procurar a pirataria. É como se fosse uma simbiose, há o legal que é conveniente, prático, tem um baixo custo, mas não consegue abranger todo o interesse no consumidor, então ele ainda vai usar a pirataria.

Eduardo Ribeiro - Tais serviços representam uma opção legal/regular ao consumidor. Vejo com muito bons olhos. A legalidade deve ocupar o espaço da ilegalidade.

Luiz Augusto Filizzola D'Urso - O impacto na pirataria com a popularização dos serviços de streaming é gigantesco. O indivíduo que antes se sujeitava a perder horas para conseguir um conteúdo pirata na internet (além de cometer crime), hoje tem a sua disposição, com preços extremamente acessíveis, milhares de opções na tela de sua TV ou celular. Esta facilidade - além da sensação de estar agindo de maneira correta e dentro da lei - trouxe uma diminuição expressiva com relação à pirataria de filmes e músicas. Portanto, penso que esta modalidade de pirataria está fadada ao colapso com o avanço destes serviços.

Mateus Basso - Se é verdade que o consumo de conteúdos “piratas” ainda é muito presente no tráfego de dados da rede mundial, também é verdade que, momentaneamente, serviços de streaming de filmes, séries e músicas conseguiram estancar e até reduzir um pouco a “sangria” da indústria do entretenimento frente à pirataria digital.

É inegável que a oferta de serviços de acesso a conteúdos de entretenimento que aliem o “útil ao agradável”, quer dizer, que ofereçam conteúdo legal (no senso jurídico) com um bom custo-benefício terão grande apelo popular. Ao mesmo tempo, é da natureza humana a busca pelo conhecimento e pelo lazer, também o são a satisfação ética, moral, de licitude. Há uma balança aqui, que contrapõe vários valores e princípios; e o que estas plataformas fizeram, que marca justamente o sucesso delas entre o público, é dar uma solução, equacionar esta balança ofertando uma boa quantidade de conteúdo, de forma lícita a um preço acessível.

Hoje em dia, há uma grande variedade de streamings de filmes e pode ficar caro para alguns públicos assinar vários desses serviços. Isso não pode fazer com que os downloads ilegais voltem a crescer?

Andressa Nunes Soilo - Sim, porque as pessoas não vão pagar Amazon, Netflix e Telecine. Somando tudo isso, chegaremos ao preço de uma TV a cabo, que é exatamente do que as pessoas queriam se livrar. Então isso traz de volta, coloca a pirataria novamente em voga, volta a ser uma alternativa com mais força. A Disney foi um ponto crítico na minha pesquisa porque as pessoas se revoltaram muito: “como que ela tira todas suas produções das plataformas?”.

Isso tudo vai se segmentando e as pessoas passam a se sentir de novo preteridas pela indústria, visando sempre o lucro e nunca o consumidor. Não é uma questão apenas econômica, é uma questão moral e emocional do consumidor. A relação do consumidor com a indústria tem que ser equilibrada, se não volta toda a questão do Napster, da pirataria que era melhor. Na percepção das pessoas que entrevistei, a indústria está regredindo, ela acertou com o streaming, mas não está conseguindo equilibrar em questão de lucro e descentralização do entretenimento, está fazendo as pessoas optarem pelo que vão comprar e o que vão piratear.

Eduardo Ribeiro - Diminuir a diferença de preço entre o produto original e o produto pirata sempre é um meio eficiente para amenizar a pirataria.

Luiz Augusto Filizzola D'Urso - Acredito que a concorrência entre os serviços de streaming traz frutos positivos, pois além de melhorar a qualidade dos serviços, a tendência será de diminuição dos preços. Isto irá impactar diretamente no comportamento do usuário, que procurará o que mais lhe agrada, mantendo-se afastado dos downloads ilegais, sempre procurando a melhor oferta em streaming.

Mateus Basso - Observando o mercado de plataformas de streaming, podemos apontar duas tendências. A primeira é a do aumento da diversificação das plataformas, cada qual com seus conteúdos próprios ou exclusivos. A regra é a diversificação e a construção de catálogos exclusivos, justamente como diferenciação para atração de novos consumidores. O mesmo eu prevejo para as plataformas de streaming de músicas – logo veremos, como já podemos apontar, o lançamento de álbuns, singles ou mesmo conteúdos diversos exclusivos das plataformas.

Isso tende a se aprofundar, já que, e aí seguimos na segunda tendência, há uma clara ausência de sustentabilidade desses serviços. São empresas que repetidamente têm de recorrer ao mercado por novas injeções de “ânimo”, pois as contas não fecham. O Spotify é o grande estandarte. Vale dizer, o modelo de negócios deles está em transição para um modelo de (1) conteúdos exclusivos e (2) aumento das mensalidades, criando um círculo vicioso, já que com a produção de conteúdo exclusivo, aumentam os custos e assim por diante.

Na minha análise pessoal, vejo que o modelo vigente de oferta de um grande catálogo aliado a um preço acessível foi a saída que a indústria adotou para estancar e fazer frente à pirataria. Aceitou-se provisoriamente que um modelo, em tese, não lucrativo internalizasse coletivamente uma cultura e recobrasse a consciência de se pagar para acessar uma obra intelectual – algo que a indústria julgou como perdida na era primitiva da internet. Há um grande parênteses a ser feito aqui: a verdade dos dados é que pouco podemos afirmar quanto à rentabilidade de tais plataformas, já que há pouca transparência dos acordos realizados e dos números envolvidos.

Enfim, o momento atual é da maturação e da transição para um novo modelo de negócios – com uma diversidade de players e com um preço ajustado aos custos e com as previsões e expectativas de lucros da indústria como um todo. Isso quer dizer que, para que o consumidor tenha o acesso a um conteúdo atualizado, ele precisará assinar alguns serviços e pagar um valor mais alto por cada um deles. Essa já é uma realidade nas plataformas de streaming de vídeos. Na América do Norte, por exemplo, já é comum a assinatura de 2 ou mais serviços de streaming pelo mesmo cliente.

Acessar todas estas plataformas, ainda que algumas poucas, torna-se caro para o consumidor, que acaba indo atrás de fontes. Os players e o mercado de streaming precisarão avaliar e criar novas soluções para esta nova tendência – de retomada a acesso de conteúdos “piratas”.

Comments

Fale com a gente no WhatsApp